Ao longo destes anos enquanto nutricionista chegaram até mim pessoas muito diferentes. Algumas tinham trabalhos muito importantes que lhes ocupavam quase 100% do tempo em que estavam acordadas, outras tinham trabalhos leves e aborrecidos e outras ainda desdobravam-se entre trabalho e as outras 1000 responsabilidades que tinham. Procuraram-me para resolver o mesmo problema, conseguir quebrar aquilo a que chamavam compulsão alimentar e ter um corpo magro e saudável.

Todas elas acreditavam no mesmo:

“Tenho um problema com a comida”

“Não posso comer as coisas de que gosto para emagrecer e ser saudável”

“Não me consigo controlar com a comida”

Todas elas estavam a ser vítimas das mesmas crenças limitadoras que levam a maioria das pessoas a desistir do seu objetivo de comer de forma mais saudável e/ou emagrecer.

Neste artigo vamos explorar brevemente 2 razões pelas quais proibir alimentos pouco nutritivos pode destruir o nosso objetivo de ser saudável.

O que me leva a comer demais alimentos “proibidos”?

1- Associar valor à proibição

Se eu acreditar que comer doces é uma coisa que as pessoas desleixadas e fracas fazem o que acham que vou emocionalmente pensar de mim quando pego num pacote de batatas fritas?

“Estou a ser fraca”, “estou-me a portar mal”, “estou a falhar”…

Quando associamos a alimentação saudável e proibição de alimentos a autocontrolo, força de vontade, esforço e sucesso começamos a entrar numa zona cinzenta onde facilmente o nosso comportamento alimentar se descontrola intensamente quando por alguma razão nos sentimos mais em baixo. Comer passa a ser um motivo de culpa e vergonha quando só devia ser natural.

Só o pensar em doces é muitas vezes um trigger para alimentarmos os nossos medos. Uma voz interior que nos diz “Vez, estás a ser fraco!”, “Vez, não consegues!”, “Vez, estragaste tudo outra vez!”, “Vez, comer saudável não é para ti!”

Se estamos desconfortáveis e sabemos que comer aquele alimento nos dará prazer porque é que não o vamos fazer? Na verdade não acreditamos que o custo vale o benefício naquele momento. Na prática, às vezes, talvez não valha mesmo.

(comer leva quimicamente à libertação de serotonina “hormona do prazer”)

A culpa que vem de seguida (ou até durante) é o motor combustível para o exagero e entramos em modo Perdido por 100 perdido por 1000. Um dos pensamentos destrutivos mais comuns em dieters (pessoas que estão constantemente em ciclos de dieta vs engorda).

2- Não saber que as nossas escolhas alimentares são hábitos

Muitas vezes somos levados a pensar que tudo aquilo que fazemos é pensado e ignoramos a nossa própria fisiologia.

Nós não pensamos racionalmente naquilo que comemos e na forma como comemos. Nós Reagimos por Puro Hábito à maioria nos estímulos que temos à nossa volta. As zonas do nosso cérebro que nos fazem pensar em comida não são racionais, são impulsivas.

Racionalmente, eu posso ser capaz de perceber que estou a ter aquele impulso, aquela vontade, e negar. Posso abrir a porta do armário para ir buscar chocolate e pensar “Não! Eu não preciso disto”.

MAS

Não faço isto sempre, às vezes porque não quero pelas razões de que falámos no ponto 1, outras porque Não Consigo!

E não consigo porquê? Porque é que eu, Nutricionista e Coach, vos digo que não vão conseguir negar sempre comer chocolate quando têm o impulso de o comer?

Ir a um Nutricionista deve melhorar a nossa qualidade de vida e dar-nos ferramentas para vivermos mais saudáveis a médio e longo prazo. A minha função é ajudar as pessoas a alcançar os seus objectivos de forma consistente , estando preparadas para os desafios prováveis do futuro. O reaparecimento de um hábito antigo é algo muito provável de acontecer. Das duas uma, ou percebemos o que isso quer dizer e facilmente damos a volta ou somos apanhados desprevenidos e desarmados e corremos o risco de perder tudo o que tínhamos conquistado.

A partir do momento que eu crio um hábito alimentar (bom ou mau), seja ele comer chocolate quando estou aborrecida, comer rápido quando estou stressada ou passar no Mc Donalds quando venho do trabalho cheia de fome, esse hábito fica “carimbado” na minha memória para sempre. E fica disponível nos gânglios basais (estruturas do cérebro responsáveis pelos hábitos aprendidos) para ser utilizado quando eu estiver num contexto igual.

Se esse hábito é algo que eu quero mudar posso trabalhar para criar novos hábito para utilizar naqueles contextos. Quando estou aborrecida posso passar a ir 5 minutos ao telemóvel jogar, posso ler 2 páginas de um livro, posso fazer uma série de alongamentos. Posso criar hábitos que me ajudem a ser menos ansiosa. Posso criar o hábito de ter sempre lanches saciantes e saborosos comigo para evitar ter fome e ir ao McDonald’s ou passar a ir por outra estrada.

Posso sem dúvida criar melhores hábitos mas os antigos vão continuar a fazer parte da minha memória inconsciente quer eu queira quer não. Quer eu me identifique com esses hábitos ou não os gânglios basais podem voltar a utilizar essa informação para libertar espaço para outros pensamentos mais importantes que, ao contrário da alimentação, não podem ser automáticos naquele momento.

“Estava a ir tão bem. Tinha perdido mais de 10kg, estava super focada e a seguir o plano à risca. Depois tive uma semana mais difícil com problemas lá em casa. Estraguei tudo. Dias depois fui-me pesar e já tinha engordado 5 kg. Desisti de tentar e deixei-me ir”

– relato real de uma utente

“A dieta até estava a corre bem. Não tocava num doce há semanas mas depois fui a uma festa de anos e quando dei por mim estava a comer doces quase sem reparar. Fiquei fula por ter estragado tudo outra vez! Depois olha… Já tinha estragado continuei. Desisti”

A zona do nosso cérebro mais “evoluída”, que é responsável pelos nossos pensamentos racionais e decisões importantes é uma zona do cérebro complexa capaz de processar imensa informação com uma velocidade brilhante à custa das muitas calorias que consome. No entanto, 🧠tem prioridades e limites.

Em situações de stress, o cérebro fica facilmente sobrelotado a tentar resolver as situações que tem à frente. Comer passa a ser puramente impulsivo com base nas memórias antigas. Aqueles hábitos que praticámos durante mais tempo podem surgir quase sem darmos conta no momento.

Negar o prazer de comer não é uma prioridade biológica, pelo contrário!  Urgente é resolver situações que mexem com a nossa segurança, com a nossa família e amigos.

Sentirmo-nos em risco de perder o emprego, ter um familiar doente, passar por problemas conjugais, mudar de país, estar num contexto novo em que há muita informação nova para processar, ter satisfazer as necessidades dos filhos são tudo preocupações mais importantes do que negar um prazer alimentar que sabemos ser inofensivo, é comida,  não é veneno.

Voltar a repetir o hábito de comer chocolate por conforto não é sinal de fracasso. Não significa que deitámos tudo a perder. Significa pura e simplesmente que o nosso cérebro estava sobrelotado e teve de utilizar a memória para satisfazer as nossas necessidades físicas e emocionais daquele momento.

Essa tablete de chocolate foi apenas o nosso cérebro a avisar-nos que não é de ferro, não dá para dar tudo em todas áreas da vida ao mesmo tempo. Precisamos de fazer reset e continuar a trabalhar nestes novos hábitos para que se tornem tão normais e tão fortes quanto aqueles que tínhamos no passado. Sem culpa, voltar à nossa rotina normal.

Se queremos mudar de hábitos é urgente que percebamos que isto tudo é normal e não significa que deitámos tudo a perder.

O auto conhecimento muda vidas.

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